Segurança veicular no Brasil: quem manda são os uruguaios

Depois que o Latin NCAP deu bomba em dois carros nacionais, o Contran correu para consertar a situação e publicou uma portaria exigindo testes laterais

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Por Boris Feldman
Publicado em 28/01/2018 às 11h01
Atualizado em 18/02/2020 às 16h29

É tamanho o descaso do governo brasileiro com a segurança veicular que, por enquanto, quem determina os parâmetros de proteção aos ocupantes dos nossos automóveis é uma entidade uruguaia, o Latin NCAP.

Estranhou? Pois então acredite se quiser: os uruguaios estão realizando testes de impacto (crash tests) com automóveis produzidos e vendidos (também) no nosso mercado. Depois dos testes frontais, passaram a simular também, no ano passado, os laterais. Nos quais dois compactos nacionais (Onix e Ka) tomaram bomba (zero estrela). As duas fábricas correram para se explicar: “Nossos carros estão de acordo com a legislação brasileira”.

E estavam, de fato, pois o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) só exigia testes de impacto frontal, não os laterais. Apesar disso, a General Motors correu para reforçar a estrutura lateral do Onix (e seu sedã Prisma), mandou ambos para o Latin NCAP testá-los e os resultados foram positivos: de zero para três estrelas.

Envergonhado pela falha na segurança veicular do país, o Contran correu para publicar, há duas semanas, uma portaria (nº 721) exigindo os testes laterais. A Peugeot, por exemplo, terá agora que voltar as barras de proteção lateral que retirou do 208 produzido aqui.

Segurança veicular: governo tomou algumas providências
Chevrolet Onix em teste de colisão do Latin NCAP

A rigor, a legislação brasileira de segurança veicular é uma colcha de retalhos que começou a ser tecida na década de 70 e tomou primeira forma em 2007, com a resolução 221 do Contran, seguindo as normas ABNT 15.300 para testes de impactos frontais – e regulamentada em 2012 seguindo critérios das Nações Unidas (ECE R94). Nos quais se registram os sinais vindos dos bonecos (“dummies”) nos crash tests para uma avaliação biomecânica da intensidade das lesões na cabeça, pescoço e tórax.

A colcha foi ganhando mais retalhos e, dois anos mais tarde, em janeiro de 2014, foram tornados obrigatórios airbags e freios ABS.

Como não existe laboratório independente para realizar estes testes no Brasil, nosso governo decidiu aceitar os resultados dos crash tests realizados por empresas certificadas no exterior, considerando as normas da ABNT. Ou seja, não se realizavam simulações de impactos laterais, apenas os frontais. Uma divergência com o Latin NCAP, pois seus testes são realizados pelo Euro NCAP, com critérios europeus.

Avanços tardios da segurança veicular brasileira

A leniência do governo brasileiro já fez o país passar diversas outras vergonhas pelo atraso em exigir equipamentos de segurança presentes até em países vizinhos como a Argentina; alguns por pressão contrária do poderoso lobby das fábricas.

Até dispositivos simples, como apoio de cabeça e cinto de três pontos no centro do banco traseiro, demoraram anos a serem exigidos. Outro da maior importância para a proteção infantil, o Isofix, também demorou a se tornar obrigatório. O mesmo com o sistema eletrônico de estabilidade, um dispositivo simples e barato de ser instalado, desde que o carro já tenha freios ABS. E a colcha foi ganhando novos remendos…

A primeira iniciativa digna de aplausos pelo Contran foi a Resolução 717, de novembro do ano passado. Nela, são relacionados dezenas de itens de segurança veicular com estabelecimento de prazos para que os estudos necessários para sua implementação sejam apresentados ao órgão. Entre os especificados para automóveis estão aviso de afastamento da faixa na rodovia, sistema de frenagem automática de emergência, proteção ao pedestre, proteção contra impactos laterais, veículos elétricos, autônomos e até gravador de dados.

Os prazos variam de acordo com a complexidade tecnológica de cada um, de seis meses para a maioria, esticados a 36 meses (gravador de dados, ou caixa-preta); ou até 48 meses, no caso dos carros autônomos.

Como se vê, um esforço do governo (o primeiro) para que nossa legislação acompanhe a evolução tecnológica da indústria automobilística mundial. Resolução publicada, melhor que nada. Resta saber se os prazos para aumento da segurança veicular no Brasil serão efetivamente cumpridos ou todos empurrados (como sempre) para debaixo da colcha…

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8 Comentários
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Gerson 20 de fevereiro de 2018

Boris, por favor não espalhe informação incorreta. O Latin NCAP é uma ONG financiada pela Global NCAP com sede em Bruxelas + FIA + Bloomberg e etc. Ela apenas tem sede no Uruguai. Todo carro é levado até a ADAC na Alemanha para ser batido. O governo uruguaio é hoje um dos mais atrasados em relação a exigência de segurança, e ainda existem abismos aqui como o Peru, Paraguai, Bolívia… Estes países chegam a importar carros usados e converter o lado do volante! Sei que polêmica atrai as pessoas, mas é possível chamar a atenção para as necessidades em segurança sem fazer com que as pessoas tenham mais conceitos errados sobre essa matéria.

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Thiago Garcia 23 de março de 2021

Concordo com você meu amigo, sem saber quem tinha escrito a matéria já estava achando tendenciosa e desinformativa do ponto de vista normativo. Infelizmente esse tal Boris Feldman só falta m. há muito tempo, é triste que várias pessoas tenham o que ele fala como verdade só por ser alguém mais velho e que diz ter enorme bagagem…

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Antonio Celso 1 de fevereiro de 2018

Boris, os testes de consumo de combustível dos carros nacionais, são feitos no Uruguai ou Paraguai? O consumo nunca coincide com os dados do veiculo. O consumo de combustível é sempre maior. Será que não tem treta nisso não? Se a VW conseguiu burlar a fiscalização nos Estados Unidos…imagina o que essas montadoras não poderiam estar fazendo aqui no Brasil.

AutoPapo
Boris Feldman 8 de fevereiro de 2018

O consumo nunca reflete o consumo real, pois este depende de dezenas de variáveis. Chumbo no pé do motorista, pneus, topografia e altitude da cidade onde roda o carro, peso no porta-malas, regulagem, qualidade do combustível e várias outras.

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Gleydson Dias 1 de fevereiro de 2018

Até 20 anos atrás os carros eram mais seguros porque tinha peso devido a sua lataria e motor ser fabricados com materiais pesados, com esse peso que o carro tinha muitos acidentes eram evitados porque caso o motorista pé de chumbo causasse um acidente os danos não eram tão graves porque o peso do carro mantinha ele no solo e ajudava até na frenagem, hoje a lata de refrigerante e mais resistente que uma lataria de um carro, se faz teste de segurança, coloca isso, coloca aquilo, e um exemplo da própria matéria sobre os testes de proteção lateral, se um carro fabricado hoje sofrer uma colisão lateral, dependendo da velocidade do outro veiculo ele é arremessado por metros, colocar equipamentos de segurança mas tirar a qualidade dos materiais dos carros que o faz ser mais seguro pra mim isso se resumi em uma palavra. PI CA RE TA GEM!!!

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IVAN VASCONCELLOS 28 de janeiro de 2018

Excelente matéria!
Enquanto isso, no reino tupiniquim, culpam-se o excesso de velocidade, descuido, negligência e outras falhas, por sinal típicas dos humanos, pela maioria dos acidentes fatais no Brasil. Muitos deles poderiam ser evitados, ou ter minimizados seus impactos, com a ajuda de dispositivos de segurança instalados nos automóveis.

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Michel José dos Reis 28 de janeiro de 2018

As montadoras fazem a festa e o governo ainda facilita a farra. Só vai melhorar quando a população boicotar a compra de carro zero que é muito caro considerando a carência de itens de segurança e conforto. Quando o boicote ocorrer quero ver se as indústrias automobilísticas líderes de vendas vão manter a política de preço “Se colar colou”. Fica aqui o meu apelo pra àqueles que podem felizmente comprar carro zero todo o ano, para que passem a trocar de carro a cada 2 ou 3 anos. Vamos forçar as montadoras a entregarem em nosso país carros seguros, completos e por preço justo, pois em outros países isso já acontece – Aqui não pode ser diferente – Chega de abuso!

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Michel José dos Reis 28 de janeiro de 2018

Enquanto a maior parte do povo brasileiro dorme, as montadoras fazem a festa, e o governo ainda facilita a farra. Só vai melhorar quando a população boicotar a compra de carro zero que é muito caro considerando a carência de itens de segurança e conforto. Quando o boicote ocorrer quero ver se as indústrias automobilísticas líderes de vendas vão manter a política de preço “Se colar colou”. Fica aqui o meu apelo pra àqueles que podem felizmente comprar carro zero todo o ano, para que passem a trocar de carro a cada 2 ou 3 anos. Vamos forçar as montadoras a entregarem em nosso país carros seguros, completos e por preço justo, pois em outros países isso já acontece – Aqui não pode ser diferente – Chega de abuso!

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