O que mudou no mercado automotivo desde que o Brasil conquistou a última Copa?

Desde o penta do Brasil, em 2002, setor passou por muitas modificações, com estabelecimento de novas marcas e segmentos, e aumento nas vendas e produção

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Da conquista do penta até hoje quem era líder já deixou o mercado (Foto: Shutterstock)
Por Fernando Miragaya
Publicado em 14/12/2022 às 19h03

O Brasil adiou mais uma vez o sonho do hexa. Ficam as lembranças da última conquista, em 2002, na Copa do Japão/Coreia do Sul. Um ano em que o mercado automotivo do país era bem diferente. Mas o que mudou do pentacampeonato da seleção para cá no setor?

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Muita coisa. Não só em volume de vendas e números de produção. Novos segmentos, novas marcas, diferentes lançamentos, declínio de fabricantes tradicionais e de categorias do mercado pontuaram o setor automotivo brasileiro nestes últimos 20 anos.

Surgimento dos SUVs urbanos

Meses depois de Cafu levantar o caneco no International Stadium, em Yokohama (Japão), o mercado brasileiro foi sacudido por um lançamento que mudou as diretrizes da indústria automotiva global. Em fevereiro de 2003 a Ford apresentou o primeiro EcoSport, um SUV genuinamente urbano e sem qualquer pretensão off-road.

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EcoSport foi pioneiro no segmento de SUVs compactos no mercado brasileiro (Foto: Ford | Divulgação)

A marca norte-americana foi pioneira e a concorrência até demorou a se mexer. O Eco vendeu a rodo e praticamente reinou sozinho por mais de uma década. A partir de 2015, todas as marcas mudaram o foco para os crossovers, com uma avalanche de modelos compactos e médios.

Detalhe que a categoria tem mais de 30 exemplares como há 20 anos, mas a maioria agora é puramente urbana e poucos são os que oferecem uma simples tração 4×4.

Para se ter ideia, no acumulado de janeiro a novembro de 2022, segundo dados de emplacamentos da Fenabrave, os utilitários esportivos representaram quase 43% do mercado. Em 2002, esse market share era de… 1,38%!!!

Peruas extintas do mercado

Nessa movimentação do mercado, as station-wagons foram as primeiras que sentiram o golpe. Primeiro, elas perderam espaço para os monovolumes – dos quais falaremos a seguir – e depois, para os próprios SUVs já citados.

Justiça seja feita, nos anos 2000 as peruas já não representavam um volume tão considerável de vendas no mercado. As vendas de stations, naquele ano do penta, corresponderam a 5% de participação.

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A Parati foi uma das poucas peruas que resistiram ao levante dos monovolumes e SUVs, nos anos 2000 (Foto: VW | Divulgação)

Mas veja que bacana era o segmento. Tinha as compactas, com Fiat Palio Weekend, Peugeot 206 SW e Volkswagen Parati – mais tarde, em 2006, ainda receberam o reforço da VW SpaceFox. E as médias, com Marea Weekend, 307 SW, além dos exemplares de marcas de luxo, como Audi, BMW, Mercedes-Benz e Volvo.

Atualmente, só essas fabricantes premium tem algumas stations à venda por aqui, geralmente em versões esportivas. E chegam a ínfimo 0,01% do mercado no acumulado de 2022.

Ascensão e queda das minivans

Os monovolumes viveram uma situação curiosa nessas duas décadas. Nos anos 1990, os modelos importados começaram a assumir o papel de carros familiares, em detrimento das station-wagons.

Nos anos 2000, quase que simultaneamente, tivemos o lançamento de várias minivans médias produzidas no Brasil, como Chevrolet Zafira, Citroën Xsara Picasso e Renault Scénic.

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A Chevrolet Zafira surfou na onda das minivans que teve início na segunda metade dos anos 1990 (Foto: GM | Divulgação)

Depois vieram mais importadas, a GM lançou a Meriva e a Nissan começou a fabricar a Livina com direito a uma variante de sete lugares. Se for colocar nesse bolo, ainda teve o Fiat Doblò e o Honda Fit, que tinha jeitão de monovolume.

Em 2007, os chamados monocab representaram mais de 7% do mercado. Mas daí em diante foi ladeira abaixo. Ainda tivemos a aposta da Citroën na dupla C3 Picasso e C3 Aircross, porém, hoje só a Spin sobrevive para contar história entre as compactas, enquanto a Kia Grand Carnival figura entre as de luxo e importadas por mais de meio milhão de reais.

Gol perdeu a liderança

O Brasil levantou a taça na Ásia, mas o Gol já era o campeão incontestável do mercado. Naquele 2002, a propósito, o tradicional compacto comemorou 15 anos de liderança isolada em vendas no Brasil e estava na sua chamada Geração III – na verdade, a primeira remodelação em cima do Bolinha.

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Com a saída do Gol G4, o Gol G5 não conseguiu sustentar a liderança de mercado (Foto: VW | Divulgação)

O Gol seguiu líder até 2013, já em sua terceira geração de fato, lançada cinco anos antes. Um movimento da Volks – e das marcas rivais -, porém, fez ruir o reinado de quase três décadas. A alemã lançou o Up!, que dividiu atenções com o veterano compacto, enquanto Chevrolet e Hyundai atacaram com novos hatches de entrada.

O Gol sucumbiu ao Fiat Palio, em 2014, mas a marca italiana nem teve tempo de comemorar. Em 2015, o líder passou a ser o Onix, que foi o mais emplacado por cinco anos seguidos, com o HB20 no encalço – o Hyundai superou o modelo da GM após a crise dos semicondutores e hoje é o automóvel leve mais vendido.

Cara, cadê a Ford?

Apesar de ter tido a grande sacada de lançar o EcoSport em 2003, a Ford desidratou bonito do penta para cá. Se era uma das quatro grandes, nos anos 2010 passou a ver sua participação de mercado baixar dos dois dígitos e ter a quarta posição ameaçada por marcas como Honda, Renault, Toyota e Hyundai.

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Mesmo com o bom desempenho do Ka e Ka Sedan (foto), a Ford desistiu de produzir carros no Brasil (Foto: Ford | Divulgação)

Apesar de bons carros, de ter volume com o Ka e da tradição da Ranger, em 2019 foi superada pela marca francesa. Em 2020, pela sul-coreana. Em janeiro de 2021, a notícia-bomba: a Ford encerrou todas as atividades industriais no país, deixando na rua mais de 5 mil funcionários.

Hoje, a marca só vende importados e apenas SUVs, a Ranger e o Mustang. Desta forma, é um rascunho do que foi no passado. Tem 1,05% de participação de mercado entre automóveis de passeio e comerciais leves, e figura na 14a posição, atrás de Mitsubishi, Caoa Chery, Citroën e Peugeot.

Consolidação de novas marcas

Em 2002 algumas marcas ainda se estabeleciam no país com novas fábricas. Se antes só estávamos acostumados ao quarteto Volkswagen-GM-Fiat-Ford, a entrada de novos players com produção nacional trouxe mais competitividade ao mercado brasileiro.

Toyota e Honda já tinham suas unidades no interior de São Paulo, assim como a Renault, no Paraná. Nessa época, a PSA Peugeot Citroën havia acabado de abrir sua linha de montagem no estado do Rio. Depois, vieram Nissan, também em solo fluminense, e Hyundai (tanto com o Grupo Caoa em Anápolis como pela Hyundai Motor Brasil para fazer o HB em Piracicaba).

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A BMW construiu uma linha de montagem em Santa Catarina e se tornou líder no segmento de luxo (Foto: BMW | Divulgação)

No embalo do InovarAuto, em 2013, marcas de luxo começaram a montar carros aqui também. BMW em Santa Catarina, Jaguar Land Rover, no Rio de Janeiro, Audi (voltou à unidade da Volks no Paraná) e Mercedes-Benz, em São Paulo. Porém, só é as duas primeiras mantêm as linhas de montagem, enquanto a Audi faz o Q3 em sistema SKD.

O crescimento das asiáticas

Entre essas marcas que se estabeleceram, as asiáticas tiveram destaque – e nem falamos aqui das chinesas, por enquanto. Em especial, a Toyota e a Hyundai. A japonesa consolidou sua imagem de carro durável, confiável e confortável. E se valeu disso para atuar em segmentos de entrada, com Etios e, posteriormente, Yaris.

Já a Hyundai se valeu do agressivo marketing que o Grupo Caoa fez nos carros da fabricante desde o primeiro Tucson, em 2007. A empresa representante dos coreanos transformou a imagem da marca, com uma bela ajuda da montadora globalmente, que passou a investir em projetos com design e tecnologia mais atraentes.

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Hyundai começou sua trajetória como importadora, mas ganhou mercado com a chegada do HB20 (Foto: Hyundai | Divulgação)

A Caoa vendeu muito as três gerações do Tucson aqui e até montou os modelos em Anápolis (GO). A matriz, porém, não perdeu tempo, e em 2012 começou a produzir a linha HB em Piracicaba (SP) para ter. hoje, o carro de passeio mais vendido do país. De quebra, passou a produzir o Creta, que está entre os SUVs mais comercializados do mercado.

Mercado cresceu, mas crises atrapalharam

Em 2002, o Brasil vendeu 1,38 milhão de automóveis de passeio e comerciais leves – não considerando pesados, ônibus e motos. O mercado cresceu, obviamente, e em 2011 já estávamos em 3,4 milhões de unidades e em 3,57 milhões, em 2013.

Em 2010, falava-se em um mercado geral brasileiro de veículos (aí com caminhão e ônibus) de mais de 5 milhões de unidades, porém a crise fez as vendas desandarem. A recuperação do mercado foi gradual e em 2019 foram 2,65 milhões de automóveis e comerciais leves.

Só que aí veio a pandemia. Ficamos abaixo dos 2 milhões em 2020 e em 2021. Com 1,75 milhão de unidades no acumulado de janeiro a novembro, é possível que o volume de licenciamentos de carros e comerciais leves total em 2022 fique no mesmo patamar dos anos anteriores, acima daquele de 2002, mas bem abaixo do potencial previsto.

Consolidação da Fiat

A Fiat viveu altos e baixos do penta para cá. Em 2003, a fabricante italiana tinha 25% de participação no mercado de autos e comerciais leves, seguida de perto pela General Motors, com 24%. Enquanto a montadora vivia tempos turbulentos na Europa (com possibilidade de compra pela GM), a filial brasileira garantia os rendimentos.

Após a aquisição da Chrysler e a formação da FCA, a Fiat passou a ter mais solidez financeira e novos projetos, além de chegar com força com a marca Jeep por aqui. Mesmo assim, seus carros de entrada ficaram defasados nos anos 2010 e ela perdeu participação de mercado para a GM.

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Depois de amargar um período de queda de participação, Fiat voltou a liderar no mercado brasileiro (Foto: Fiat | Divulgação)

De uns anos para cá, retomou as rédeas da ponta do setor. Em especial nas categorias que oferecem margens de lucro melhores, como a de comerciais leves. Com o veículo mais emplacado do país, a Strada, e a líder suprema de picapes médias-compactas, a Toro, tem cerca da metade de participação no segmento de comerciais leves.

Além disso, a Stellantis, formada em 2021, tornou-se o maior conglomerado automotivo do Brasil e da América do Sul, o que melhorou as operações. Hoje, a participação da Fiat, juntando os automóveis leves no acumulado de 2022, chega perto dos 25% de 20 anos atrás. Contudo, desta vez, a GM está bem distante, com 14%.

A chegada das chinesas ao mercado

Em 2007, as montadoras instaladas aqui entraram em polvorosa. A primeira marca chinesa chegou ao Brasil por meio da Effa Motors, com o hatch Ideal (aqui conhecido como M100). O modelo foi lançado como o carro de passeio mais barato do país. O temor de uma concorrência forte de modelos chineses, porém, logo se mostrou sem fundamento.

Isso porque o Effa M100 era um carro muito, mas muito ruim. Com acabamento de baixa qualidade, desempenho fraco e comportamento dinâmico falho, ainda pecava com a desconfiança do público e de uma rede de concessionários tímida.

Alguns anos depois foi a vez da Chery detonar a imagem dos carros chineses. Com o QQ, o estereótipo de carro chinês frágil e pequeno ganhou força. A marca, ainda sem o controle do Grupo Caoa, ainda tentou emplacar a linha Celer produzida em Jacareí (SP), mas vendeu pouquíssimo.

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Caoa assumiu o controle das operações da Chery e deu vida nova à marca chinesa (Foto: Caoa Chery | Divulgação)

A primeira marca chinesa a incomodar foi mesmo a JAC Motors. Capitaneada pelo ex-presidente da Citroën no Brasil Sérgio Habib, a fabricante apareceu com Faustão de garoto-propaganda, forte campanha de marketing e custo/benefício agressivo. Os carros também demonstraram uma qualidade superior aos primeiros chineses que aportaram aqui.

Veio o InovarAuto e tudo desmoronou para a JAC. Nesse meio tempo, a Geely também deu de cara na porta no Brasil. Só no fim da década de 2010 é que as chinesas voltaram a ganhar força. Primeiro com a criação da Caoa Chery, em 2017 – o grupo brasileiro comprou metade das operações da chinesa aqui – e uma linha constantemente atualizada de SUVs.

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A BYD também chegou com portfólio sofisticado para brigar no segmento de elétricos de luxo (Foto: BYD | Divulgação)

Pode-se dizer que a Caoa Chery asfaltou o caminho para as demais chinesas se animarem. Só em 2021, duas novas entraram no mercado: Great Wall e BYD. A primeira já fez a pré-estreia do Haval H6 e deve concluir a fábrica de Iracemápolis (SP), que era da Mercedes, até 2024.

Já a BYD iniciou a ofensiva com elétricos de luxo, na casa do meio milhão de reais. Começou a vender mais recentemente SUVs híbridos e zero combustão mais baratos e deve pegar a fábrica da Ford de Camaçari (BA).

Bônus: novos segmentos de mercado

O carros elétricos e híbridos ainda engatinham no mercado brasileiro no que diz respeito a produtos e vendas. Até porque o EV mais barato custa R$ 150 mil e é um subcompacto, mas é fato que o segmento ganha relevância no país e deve chegar e hoje representa 2% do mercado geral.

Porém, o que se viu de 2002 para cá foi a necessidade de a indústria criar novos segmentos para ganhar rentabilidade e mercado. Além dos SUVs genuinamente urbanos trilhados pelo falecido EcoSport, surgiram sub-segmentos nesta categoria mesmo.

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Fiat Fastback (foto) e VW Nivus aproximaram os SUVs cupês de uma faixa maior de consumidores (Foto: Fiat | Divulgação)

Modelos como VW Nivus e Fiat Fastback democratizaram os SUVs-cupês, antes exclusivos de marcas premium. Ao mesmo tempo, o Pulse se estabeleceu como um utilitário esportivo de entrada e deve receber a concorrência de modelos mais básicos da Volks, Peugeot, Toyota e Honda em breve.

Mas o grande pulo do gato foi no segmento de picapes. Em 2016, a Renault lançou a primeira picape médio-compacta do mercado, posicionada entre as pequenas (Strada, Saveiro…) e médias (Hilux, S10 etc). Logo foi seguida da Toro, que passou a dominar o mercado, mas que já recebe a companhia da nova Chevrolet Montana.

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