O Escort XR3 voador que não sabia aterrissar

"Quando esse infeliz desse carro, que tinha só 1.500 km, aterrissou, foi um caos. Uma catástrofe, diriam alguns"

ford escort
Por Douglas Mendonça
Publicado em 12/02/2019 às 17h20

Esse causo ocorreu lá pela segunda metade dos anos 80, para ser mais preciso,em julho de 1987. Os protagonistas dessa história foram eu mesmo, Douglas Mendonça, o fotografo Mituo Shiguihara e um Escort XR3 de cor prata, modelo 1988. A Ford, no meio de 1987, apresentou para a revista Quatro Rodas, da qual eu era repórter especial, o seu novo XR3 para 1988. Fui encarregado de fazer os testes completos de pista: com o novo carro devidamente instrumentado, fazia provas de aceleração, retomada de velocidade, consumo em velocidade constante e de estrada, nível de ruído e outras avaliações que compunham o teste da revista na época.

Viajávamos para a cidade de Limeira, no interior do estado de São Paulo, distante cerca de 150 km da capital, onde existe uma pista de testes, que naquele tempo pertencia à empresa Freios Varga e que era alugada pela revista para execução de suas aferições. Esse era o meu trabalho corriqueiro: viajava a Limeira, fazia todos os testes de pistas e estradas, colhia os resultados, acompanhava o fotografo nas fotos depois retornava à redação para escrever o texto daquela avaliação. Isso cerca de 3 vezes ao mês.

Claro que as fotos dependiam da criatividade de cada um dos fotógrafos que acompanhassem o teste, mas algumas ideias vinham da redação, dos editores e dos palpites que eu dava no momento das fotos, pois sabia quais eram as novidades daquele carro. Uma rotina que se repetia em todas as avaliações, em todos os meses. E, nessa estrutura, toda a equipe fazia um ótimo trabalho.

Pois bem: na avaliação daquele Escort XR3 prata modelo 1988, depois que conclui todo o meu trabalho e colhi todos os resultados dos testes, parti para as fotos, que eram a fase final do processo. Foi nesse ponto que as coisas se complicaram.

O fotografo Mituo veio com uma ideia brilhante: de que precisava fazer uma foto do novo carro voando, passando dessa forma ao leitor a impressão de que o carro era verdadeiramente rápido e que voava baixo. E o fotografo me disse com todas as letras que essa sugestão de pauta de fotos teria vindo dos editores, e que até o diretor de redação havia aprovado a ideia brilhante. Tentei argumentar que não teria problema algum em fazer o carro voar, mas que tinha certeza de que ele iria se esborrachar no chão no momento da aterrissagem.

Na época, eu era um intrépido repórter que fazia tudo que me mandassem com um carro; usava muita da experiência que havia adquirido como piloto nas corridas. Quando o assunto era dirigir, tudo para mim era fácil, por mais absurda que parecesse a manobra. Todos os argumentos que eu usei com nosso fotografo Mituo Shiguihara mostraram-se insuficientes para tirar a ideia do carro voador de sua cabeça. Se o negócio era fazer o Escort XR3 voar, eu faria!

Atrás da pista de testes, existiam canaviais repletos de estradas secundárias. Em uma dessas estradas, havia um longo aclive que voltava a ficar plano abruptamente. Lá fui eu na primeira tentativa de levantar voo com o esportivo da Ford. O fotografo, bem posicionado, já tinha focado a imagem do carro onde prevíamos que ele passaria voando. Como seria tudo muito rápido, o japonês colocou um motor drive em sua máquina, recurso que permitia fotos sequenciais, quase como se fosse um filme.

Na primeira passagem, subi a tal rampa a cerca de 70 km/h; lá no alto, o carro saltou e aterrissou numa boa. Parei e fui conversar com o Mituo para saber se a sequência tinha ficado boa e se bastava para encerrarmos nosso dia de trabalho. Claro que o japonês reclamou: afirmou que a sequência ficou ótima, mas que o carro tinha voado a apenas 20 cm de atura e ele queria que o carro voasse de meio até um metro.

Voltei a explicar a ele que, se fizéssemos o carro voar o que ele queria, a aterrissagem seria desastrosa. Ele contra-argumentou que eram ordem expressas do diretor e dos editores, e que era para eu fazer o meu trabalho.

Lá fui eu na segunda tentativa, agora subindo a rampa a cerca de 100 km/h. O pobre XR3, alegre e feliz, subia a tal rampa com vontade e desenvoltura. Mal sabia ele o que o esperava na aterrissagem daquela aventura. No fim da rampa, o Escort XR3 prata voou bonito, como carro de filme americano que, aliás, nos também não sabemos como aterrissam e qual o final deles quando as filmagens terminam.

Desta vez, o esportivo da Ford voou cerca de 50 cm do chão e o fotografo Mituo fez uma ótima sequência para a reportagem da revista. Lindo! Mas, tudo que sobe, tem que descer pela velha lei da gravidade. Quando esse infeliz desse carro, que tinha só 1.500 km, aterrissou, foi um caos. Uma catástrofe, diriam alguns. Ele aterrissou primeiro com as rodas traseiras, com as suspensões batendo no final do curso e o para-choque raspando no chão. Depois foi a dianteira que bateu no solo em um forte impacto.

O XR3 prata foi parando vagarosamente, como um moribundo que levou um tiro. O volante, mesmo o carro estando na reta, estava virado, demostrando sérios problemas na direção e na suspensão. Quando fui abrir a porta, percebi uma fresta na parte superior da capota e a porta: o monobloco da carroceria havia sido seriamente afetado. A porta do motorista abriu com dificuldades e as rodas dianteiras apontavam cada uma para um lado.

Acho que aquele carro estava morrendo! Novinho, jovem, ele não havia sequer sido lançado ao mercado e estava gravemente ferido, quase morto. Enquanto o fotógrafo comemorava a linda sequencia de fotos que conseguiu no voo, eu sabia que aquele carro não conseguiria sequer voltar andando para São Paulo. Como eu previa, uma catástrofe!

Para mim, coube a dura missão de avisar ao meu chefe e ao encarregado da área técnica da revista Quatro Rodas naquele momento que o carro do teste havia sido seriamente danificado na execução das fotos, o que o impossibilitaria de voltar rodando para a capital. Na época, Barthô, como era chamado, quase me comeu vivo pelo telefone, e aprendi que antes de fazer qualquer loucura que um fotografo me pedisse, deveria antes ligar para ele para perguntar se poderia ou não fazê-lo.

Sem dúvida, aprendi a lição, e aprendi também que, mesmo a foto mais sensacional do mundo tem seu limite em relação a segurança e também ao custo, pois essa foto sensacional, que abriu a reportagem da revista Quatro Rodas de setembro de 1987, custou um Escort XR3 que não havia sequer sido lançado. Mituo Shiguihara, um grande companheiro de muitas reportagens e testes, um tempo depois, acabou partindo dessa para melhor quando fazia um teste de caminhão para uma outra publicação especializada. Coisas da vida!

Reportagem com Ford Escort XR3, feita por Douglas Mendonça e publicada na edição de setembro de 1987 da revista Quatro Rodas
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9 Comentários
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Doutor Ron 19 de outubro de 2021

Bom dia! Pela foto do ‘Escort voador’, você tinha um mustache a lá Magum. E o cantor Roberto Carlos, por exemplo, possui em sua coleção alguns ford Escort até hoje. (Senão me engano, é o mesmo carro do qual ele entrevistou o Ayrton Senna, em seu especial de natal, e o Senna também teve um vermelho). O Escort também era o carro do qual o talentoso cantor Jessé, infelizmente se acidentou fatalmente, em março de 1993.

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Doutor Ron 19 de outubro de 2021

*mustache igual ao Magnum. Naquele tempo, isso era moda na década 80s, por causa dos filmes policiais e de aventura dos caras durões, como Charles Bronson, Magnum, Burt Reynolds do filme Smokey and the Bandit, que tem aquele carrão Pontiac / Firebird Trans Am [que também teve um modelo Pontiac usado na série super-máquina.]

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Daniel 2 de dezembro de 2019

Alguns anos depois a Quatro Rodas aprendeu a lição, colocando a dupla GTS e GTI em cavaletes e simulando a famosa foto do pulo fake. Pobre Escort, deve ter sido scrapeado na fábrica mesmo.

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Gus 15 de fevereiro de 2019

Aterrissou antes com o eixo de trás, distribuição de peso de carro de rallie – rsrsrsr

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Vlamir 14 de fevereiro de 2019

O Escort XR3 marcou época, sobretudo os primeiros, antes da mudança de 1987, era um carro muito a frente dos seus concorrentes no Brasil. Mesmo o Gol GT tendo mais motor, o XR3 era absoluto, esportividade, conforto e até uma boa pegada com seu motor levemente melhorado pela engenharia da Ford. Tive vários e hoje tenho um 1986 com teto solar.

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EDUARDO AFONSO MENKE 13 de fevereiro de 2019

Tive o primeiro escort Ghia de 1984 depois comprei varios outros .Desde entao sou e detenho a colecao e me chama a atenção um deles /XR3 Conversivel 89 que tambem era cinza e agora é vermelho modena recebendo placa de 30 anos preta pelo Detran .Todo Customizado com motor do Golf 1.8 e Cambio Diablo ele Só não voou ! Ele risca o chão com Fogo como um foguete nervoso .

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Alessandro pereira 12 de fevereiro de 2019

Esse dia deve ter sido muito louco, eu tenho um Xr3 europeu de 92, tenho certeza que o pobre Xr3 de 88 foi bem valente

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Carlos 13 de fevereiro de 2019

Tenho um 97 será que a suspensão e fraca gosto muito desse carro mas as vezes nas curvas sinto que ele perde a traseira.

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Eduardo 13 de fevereiro de 2019

Tenho um XR3 88, muito top o carrinho entra firme nas curvas , diferente do 87. Se alguém gosta desse carro e quer comprar um , estou precisando vender 41 998478474

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