Acidentes de trânsito: recado ao senhor ministro

Ao invés de blá-blá-blá, governo federal poderia reduzir número de acidentes simplesmente fazendo cumprir a lei

Passar por uma cratera asfáltica na estrada pode exigir uma manutenção do veículo
Por Boris Feldman
Publicado em 30/09/2018 às 11h09

O Ministro das Cidades aproveitou a Semana Nacional do Trânsito para apresentar um plano para reduzir à metade os acidentes com vitimas fatais. Lembra que nossa legislação “é das mais avançadas” e que mais de 90% dos acidentes se dão por falha humana.

Ele está certo: direção perigosa é responsável pela maioria dos acidentes rodoviários. Mas o ministro se esquece de que muitos deles são provocados pelo descaso do próprio governo com a manutenção das estradas. Crateras asfálticas obrigam o motorista a malabarismos na pista. Ou desviam o carro de sua trajetória. Ou danificam pneus que podem estourar quilômetros ou dias depois. Nem estradas pedagiadas se salvam, pois suas concessionárias são obrigadas a lidar com dois “pedágios”: o que recebe dos motoristas na cabine e o que deposita na conta do político corrupto. A propina mensal muitas vezes torna inviável as obras de manutenção da estrada.

E as lombadas? Primeiro que nem deveriam existir, pelos transtornos que causam, mas, ainda por cima são construídas sem respeito à legislação regulatória, mal sinalizadas e danificam até os carros que passam por elas em baixa velocidade. Outra irregularidade é serem construídas em trechos de estradas com grande fluxo de veículos e até em roteiros de ônibus, proibido pela legislação específica. Além do tombo, o coice: a lombada obriga o motorista a quase parar o carro. Em determinados locais, exatamente o que os bandidos precisam para facilitar o assalto. Em todos eles, redução de marchas, aumento de rotação do motor, de consumo e emissões…

O senhor ministro nem imagina quantos acidentes são provocados pelo pneu que estourou, o fluido de freio que ferveu, ou o amortecedor que não amorteceu. Componentes de reposição desqualificados comprometem a segurança, mas são vendidos livremente no mercado porque não existe – como em países do Primeiro Mundo – a necessária certificação ou fiscalização. Somos o país do salve-se quem puder. Mas nem todos se salvam.

O senhor ministro anuncia plano de redução de acidentes. Deveria começar olhando para o próprio umbigo: ele elogia o código de trânsito mas se esquece de que o Denatran, órgão do seu ministério, está atrasado mais de 20 anos para implantar a inspeção veicular exigida pelo código. O resultado são verdadeiras sucatas motorizadas rodando livremente, colocando em risco a integridade de todos, provocando engarrafamentos e poluindo a atmosfera.

A competência do Denatran se esgota com a decisão de exigências absurdas e surrealistas como o curso para renovação da CNH, exemplo da mediocridade a serviço da burocracia. Chegou, recentemente, a sugerir que vans escolares fossem adaptadas para receber cadeirinhas infantis. Aberração técnica que espanta até quem tem um mínimo conhecimento do assunto.

Não adianta “legislação de vanguarda” se não tem polícia na rua. Picapes com bancos adaptados em caçambas são aprovadas por prefeituras em cidades no nordeste. Ao lado de motos levando até quatro membros da família, nenhum com capacete. Em todo o país são emitidas autorizações “provisórias” para caminhões circularem com bóias frias na caçamba. Condições que submetem milhares de brasileiros a risco de morte ou graves lesões no caso de acidente e que desafiam o projeto do senhor ministro.

Ele cita, corretamente, a importância de se começar cedo a focar na educação e conscientização para o trânsito. Mas não controla se parte dos bilhões de reais recolhidos pelo DPVAT é efetivamente aplicada nestas campanhas, como previsto em lei.

Se o senhor ministro quer contribuir de fato para a redução de acidentes de trânsito, sugiro substituir planos mirabolantes por simplesmente fazer cumprir a legislação. Lembrar que caçamba não é lugar de gente, mas de carga. Faixa de pedestre não é decoração do asfalto. Inspeção veicular não é bicho-papão e existe em muitos países há dezenas de anos. Van escolar tem que acomodar criança na cadeirinha. Peças de reposição, só com certificação. Estradas: além de construir, governo tem que conservá-las. Ou delegar sem propina. É pedir demais?

Acidentes também são provocados por buracos
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3 Comentários
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Antonio Donizeti Martins 3 de fevereiro de 2019

Nós temos 130 anos de República e até hoje, ao que parece, não tivemos governantes para pensar a nação. Uma nação com 130 anos não tem o direito de andar neste marasmo que a nossa anda. E não é só no trânsito. Olhem para os lados, e em todos eles verão que falta. E mais, verão que não há ninguém pensando em resolver o problema, e se tiver, depende dos votos da maioria; maioria essa que nunca se manifesta. Portanto…..

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IVAN VASCONCELLOS 30 de setembro de 2018

Mais uma vez você acertou em cheio! Pena que o Ministro jamais vai se dar ao trabalho de ler seu texto e mesmo que venha a ler não dará importância.
Provavelmente esse “plano” vai propor reduzir as velocidades máximas e instalar mais radares, lombadas e pardais pelas nossas ruas e cidades. Óbvio que se limitarmos as velocidades a 10 Km/h, por exemplo, jamais teremos acidentes com vítimas fatais, mas em compensação, o Mundo vai “travar”.
Não tem cabimento nenhum plano “novo” enquanto não se fizer cumprir o atual código de trânsito e enquanto não igualarmos a segurança embarcada dos nossos veículos aos dos países mais sérios. A maneira mais adequada de lidar com as falhas humanas é compensa-las com equipamentos capazes de reduzir os seus efeitos, nós os seres humanos nunca seremos perfeitos.

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Fernando Ricardo 30 de setembro de 2018

Isso, mesmo! Falou tudo.
Quem quer reduzir mortes nas estradas não cobram imposto tao alto em pneus, amortecedores, freios….

Quanto as estradas essa é a logica liberal. Você deixa as estradas ficarem esburacadas. Ao ponto dos motoristas nao aguentarem mais. Depois vendem a ideia que pedagio é bom porque vai deixar as estradas boas. Os bobos pagam mais um imposto felizes da vida. Nem percebem que cairam em mais um golpe.

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