A dura verdade sobre as vendas de carro zero no Brasil em 2022

Em cenário de renda baixa, população endividada e financiamento restrito, indústria está cada vez mais dependente das vendas diretas

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O sonho do carro zero ficou cada vez mais distante do brasileiro (Foto: Shutterstock)
Por Leonardo Felix
Publicado em 05/11/2022 às 13h03

Foi-se o tempo, há tempos, em que a indústria automobilística brasileira vivia a esperança de uma expansão que posicionasse nosso país, de modo perpétuo, entre os maiores mercados mundiais do setor. Tal otimismo foi soterrado quase uma década atrás, e ainda não se sabe se um dia será retomado. O carro zero se tornou um sonho distante.

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Desde então, o que vivemos é uma espécie de contínua e perene ressaca, temperada a crises econômicas, fanatismo que remete ao movimento integralista dos anos 1930, população empobrecida e anúncios constantes de fábricas fechando. Nosso mercado recebe foco cada vez menor das matrizes quando se trata de soluções desenvolvidas para nossa realidade.

Carro zero para muito poucos

Com a inflação alta dos últimos dois anos, a perda do poder de compra da população e um índice de endividamento que já atinge quase 80% dos brasileiros, chegamos a um cenário no qual basicamente só as classes A e B são capazes de comprar carro zero-quilômetro.

Tudo isso se reflete nos financiamentos de veículos novos, que caíram cerca de 10% nos primeiros dez meses de 2022 em relação ao ano anterior, que já não foi o melhor dos períodos nesse sentido. E isso impacta sobremodo o volume de vendas.

O resultado desta equação aparece cristalino no relatório de emplacamentos da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) de outubro: 53,25% ou mais da metade dos menos de 170.000 automóveis e comerciais leves emplacados no período foram vendidos na modalidade “venda direta”.

Estamos falando de negócios feitos com empresas, frotas, pessoas físicas que compram com CNPJ para obter desconto e, principalmente, locadoras. Ou seja, o mercado brasileiro está cada vez mais dependente das vendas de veículos para outras empresas, e não para o consumidor final, que não consegue mais comprar um carro zero.

Nada contra as vendas diretas, que possuem um papel importante no mercado. Tudo bem que elas cresçam, desde que aconteçam como um complemento do mercado de varejo. É aqui que está o problema, pois, em vez de operara de modo saudável, vem definhando no Brasil.

Efeitos colaterais

Um varejo enfraquecido significa uma rede de concessionárias e atendimento a clientes empobrecida, e montadoras tendo que trabalhar com margens apertadíssimas para não perder volume nem colapsar a produção nas fábricas. O que, por sua vez, provoca fortes impactos entre os fornecedores de componentes.

Não há solução mirabolante para o tema. A classe média brasileira voltará a comprar ou assinar ou financiar carro novo quando tiver condições financeiras para tal. Para isso, precisa ter uma renda melhor, inflação controlada e estar menos endividada.

A receita é simples, mas ao mesmo tempo desafiadora para um novo governo que se formará. Apenas aumentar o acesso ao crédito sem os fatores listados acima não será solução para ninguém. Será preciso uma ação orquestrada de recuperação do poder de compra da população em várias frentes.

É hora de deixarmos as ideologias de lado e abraçarmos um plano pragmático de recuperação econômica e da renda de nossa população. Só assim o mercado brasileiro de carros será capaz de sair dessa ressaca e voltar ao otimismo que já experimentamos um dia.

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8 Comentários
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Diego 7 de novembro de 2022

Preço abusivo

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Sergio Reis 7 de novembro de 2022

Tivemos a decada perdida antes dos piores 4 anos vividos pelo Brasil no oeriodo pós 1964. Em todos os sentidos e, principalmente, na Economia. Teremos 4 anos pela frente de ajuste e, o melhor que o novo governo possa fazer, dificilmente alcançaremos a organização economica do Pais a níveis atrativos para investimentos estrangeiros.. Inflação, desvalorização do Real e perda do poder de compra da classe média – mais uma vez dustante do paraíso.

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Jonatas 6 de novembro de 2022

Não se preocupem o lula está aí p subsidiar os juros e a população pagar a conta d novo mas dessa vez vai explodir a inflação aí o real vai derreter mais do que já derreteu

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Paulo A Franke 6 de novembro de 2022

Excelente análise de Leonardo. Mas nem tanto ao otimismo, nem tanto à ressaca. Nos anos 2003-2013, CNPJs e CPFs surfaram durante onze anos uma louca onda de endividamento. Como se não houvesse amanhã. Nem prestações a pagar. Alguém ainda lembra como se comprava um Gol zero nessa época? Moeda de um real para levar o carro. Entrada embutida no financiamento. Financiamento em 96 meses – oito anos. 90 dias para a 1a parcela. Sem necessidade de comprovação de bens ou renda. Só podia dar no que deu, quebradeira geral. A loucura de 2003-2013 não era otimismo, nem bons tempos, nem época de ouro. Era só isso, loucura pura. Consumo deve vir com renda real, e não com crédito, que é renda falsa, artificial. E renda real só vem com investimentos, na economia. Só resta esperar que os que promoveram a festa de arromba em 2003-2013 tenham aprendido, e não tentem repetir agora a doidice de querer crescer com a mágica e ilusão do endividamento fácil, farto e irresponsável.

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Carlos 7 de novembro de 2022

Até o momento é o modus operandi que está sendo ventilado pelo próximo governo, o que supreende 0 entre 10 pessoas que fizeram uma análise como a sua deste período desastroso na economia brasileira.
O que provavelmente “dificultará” é que boa parte da população brasileira já está com endividamento elevado e o cenário macroeconômico (doméstico e global) está longe de ser favorável a uma farra de crédito.
Mas, caso isso seja feito na marra (i.e.: empréstimo facilitado com juros subsidiados via bancos públicos), sabemos o que ocorrerá, com o agravante que já estamos com a Selic a dois dígitos e com perspectivas de aumento de inflação já nos próximos meses: Selic batendo máximas históricas com o Bacen fazendo um trabalho ingrato de enxugar gelo enquanto o Tesouro inunda o mercado com combustível para inflação.
Rezemos para que venha uma política econômica minimamente responsável que não permita que esse cenário de risco de hiperinflação venha a ocorrer…

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Josue 5 de novembro de 2022

O importante é que o povo vai ter picanha e cervejinha!!!! O amor venceu, foda-se a economia!!!!

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Leonel Fonseca 5 de novembro de 2022

Muito boa a reportagem, mas creio que faltou incluir nessa análise o fato das montadoras aplicarem preços absurdos no Brasil, onde a famosa “margem de lucro” só cresce e é totalmente fora da realidade de outros países por que aqui tudo pode o consumidor “aceita”…

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Cadillata 5 de novembro de 2022

Tudo piorou nos últimos anos, mas tem pessoas que não entendem.
Pior é que teremos problemas seríssimos pela frente e que não será fácil e nem rápido saná-los.
Meu receio é que esse fanatismo não terminará tão cedo e só complicará as coisas ainda mais.

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