Carros nacionais inovadores: 8 modelos que criaram segmentos
Criados para ocupar faixas de mercado inexploradas, esses veículos acabaram sendo pioneiros em novas categorias, mas nem todos fizeram sucesso
Por Alexandre Carneiro 30/08/20 às 09h00Criados para ocupar faixas de mercado inexploradas, esses veículos acabaram sendo pioneiros em novas categorias, mas nem todos fizeram sucesso
Por Alexandre Carneiro 30/08/20 às 09h00Para os fabricantes de carros, sejam eles nacionais ou de outros países, entender os desejos dos consumidores é um grande desafio. Geralmente, a aposta mais segura é participar de segmentos já consolidados, que têm boa participação no mercado. Mas existe outra possibilidade: entrar em nichos inexplorados.
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Nesse caso, os riscos são maiores, pois é impossível prever precisamente como será a reação do público a um produto fora do padrão. Porém, se a aceitação for boa, o veículo permanece sem concorrentes diretos por algum tempo. Ademais, quando algum similar enfim for desenvolvido, o pioneiro já terá imagem forte e, consequentemente, compradores fiéis.
O AutoPapo enumerou 8 desses modelos: a relação é composta unicamente por carros nacionais, de diferentes marcas e modelos. Confira o listão:
Até o fim dos anos 70, quem precisava de uma caminhonete só tinha à disposição modelos de grande porte, construídos sobre chassi. A Fiat viu uma oportunidade e, em 1978, lançou um utilitário baseado no 147, batizado simplesmente de Pick-up.
Menor, mais barata e econômica que os similares de então, o modelo acabou criando um segmento inédito para os carros nacionais. Na década seguinte, essa categoria já era disputada por Ford Pampa, Volkswagen Saveiro e Chevrolet Chevy 500.
A Fiat fez vários aperfeiçoamentos na caminhonetinha até substituí-la pelo Fiorino Pick-up, que, por sua vez, deu lugar à Strada. Essa última, inclusive, voltou a inovar quando ganhou opções de cabine estendida e, posteriormente, de cabine dupla. Recentemente, o modelo ganhou uma nova geração.
O ano era 1990. O governo havia modificado os critérios de cobrança do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados): até então, veículos com motores menores que 1.0 eram tributados com uma alíquota de 40%. A partir dessa cilindrada, o percentual era menor: 35%.
Naquele ano, a alíquota de IPI passou a ser de 20% na faixa até 1.0: motores de maior cilindrada permaneceriam tributados em 35%. Criou-se, então, o chamado carro popular. Inicialmente, a maior beneficiada seria a Gurgel, com sua linha de subcompactos equipados com propulsores de 800 cm³.
A Fiat, porém, agiu rápido. A empresa simplesmente reduziu a cilindrada do motor que havia movido o 147, de 1.049 cm³ para 994 cm³ (1.0, arredondando-se): para tal, bastou desenvolver um virabrequim de curso mais curto. Surgia, então, o Uno Mille, que nadou de braçada na onda da isenção fiscal.
Os primeiros carros nacionais semelhantes, o Chevrolet Chevette Júnior e o Ford Escort Hobby, só surgiram dois anos depois. Mais leve e moderno, o Uno Mille lidava melhor com o motor de baixa cilindrada e só ganhou o primeiro concorrente de peso em 1994: o Corsa. Àquela altura, porém, o hatch da Fiat já estava consolidado no mercado, tanto que só saiu de linha de 2013.
Outro nicho que a Fiat soube identificar muito bem foi o dos aventureiros urbanos. Ainda nos anos 90, o fabricante percebeu que alguns consumidores apreciavam a estética dos carros off-road, mas não necessariamente precisavam de tração 4×4 e de outros recursos para enfrentar trilhas, então disponíveis nos modelos nacionais com esse tipo de proposta.
É que a maioria dos proprietários desses veículos não enfrentava grandes obstáculos: a utilização fora do asfalto restringia-se a alguns quilômetros em estradas rurais, para chegar a sítios ou a atrações naturais. Portanto, bastaria um visual caprichado e uma suspensão reforçada e elevada.
Com base nessas constatações, a Fiat criou a versão Adventure da Palio Weekend, que chegou ao mercado em 1999. A suspensão elevada agradou em cheio: além de manter o veículo livre de esbarrões contra o solo, ainda colocava o motorista em posição mais alta que os demais, numa época em que pouquíssimos SUVs circulavam pelas cidades.
A nova versão logo tornou-se a mais vendida da gama da Palio Weekend. O sucesso fez a Fiat estender a linha Adventure para vários de seus veículos e outros fabricantes adotaram a mesma fórmula. Desde então, o mercado brasileiro passou a contar com hatches, picapes, monovolumes e até sedãs com suspensão elevada.
Por sua vez, a Palio Weekend contou com a versão Adventure até sair de linha neste ano. Tanto em vendas quanto em longevidade, a peruinha aventureira da Fiat superou todas as concorrentes diretas que teve, entre as quais 206 e 207 Escapade, da Peugeot, Parati Crossover e SpaceCross, ambas da Volkswagen.
Não foi apenas a Fiat que percebeu o desejo dos consumidores por veículos com suspensão elevada e estética off-road. A Ford também explorou esse nicho, mas, em vez de supri-lo com uma versão aventureira de um modelo já existente, criou um produto inédito: o EcoSport, baseado na plataforma do compacto Fiesta.
Lançado em 2003, o EcoSport tornou-se o primeiro SUV compacto entre todos os carros nacionais. O modelo permaneceu sem concorrentes diretos até 2011, quando a Renault apresentou o Duster. Desde então, praticamente todos fabricantes investiram nesse segmento, que passou a ser um dos mais importantes do mercado brasileiro.
Embora a Ford também afirme que a maioria dos consumidores não faz uso da tração 4×4, disponibiliza esse recurso para o EcoSport desde 2004. O modelo é, até hoje, um dos poucos a contar com essa opção, apesar de as vendas realmente concentrarem-se nas versões com tração dianteira.
Quase 20 anos antes de lançar o EcoSport, mais precisamente em 1984, a Ford apresentou uma linha de carros que tinha proposta inversa, mas também inédita entre os nacionais: apresentavam poucas diferenças visuais em relação às demais versões, porém podiam, de fato, encarar desafios fora de estrada. Os veículos em questão são a Pampa e a Belina com tração 4×4.
Com a picape e a perua derivadas do Corcel, a Ford inovou ao disponibilizar a tração total em veículos que mantinham-se práticos e confortáveis para uso diário. Além disso, tinam preços acessíveis para os padrões da época.
É verdade que o sistema de tração 4×4 desses modelos tinha uma grande limitação: ausência de diferencial central. Sem esse recurso para compensar as diferenças de rotação, o diferencial traseiro e o eixo cardã sofriam enorme desgaste. Por isso, o mecanismo só podia ser acionado em baixa velocidade e em linha reta.
Desse modo, muitos proprietários tiveram problemas e os dois modelos adquiriram má-fama no mercado. A Belina 4×4 acabou saindo de linha precocemente, em 1987. A Pampa, que tinha uma suspensão traseira de menor curso, devido à utilização de molas semi-elípticas, era menos propensa a falhas e durou até 1991.
Apesar dos percalços, Pampa e Belina 4×4 são, ainda hoje veículos sem similares no mercado brasileiro. Não por acaso, os exemplares sobreviventes tornaram-se cobiçados por colecionadores.
A chegada do Corsa ao mercado foi praticamente uma reinvenção da fórmula do Mille. A Chevrolet optou por um compacto moderno, arredondado e, para um popular, até sofisticado. Tais características opunham-se às do compacto da Fiat, quadrado, despojado e criado a partir de um projeto que, então, já existia há 10 anos no Brasil.
Alinhado com o similar europeu, o Corsa incorporou itens que, na época, simplesmente não existiam no segmento. O motor 1.0 tinha injeção eletrônica (monoponto, mas já mais avançada que o carburador dos concorrentes), enquanto a lista de opcionais oferecia ar-condicionado e direção hidráulica, equipamentos que não eram comuns nem nos segmentos superiores.
A resposta dos consumidores superou as expectativas do fabricante: imediatamente após o lançamento, em 1994, formaram-se enormes filas de espera. A produção não conseguiria suprir a demanda de imediato, e as concessionárias cobravam sobrepreço. A Chevrolet chegou a veicular uma campanha publicitária pedindo que os interessados aguardassem alguns meses.
Claro, a trilha do Corsa foi, de certo modo, seguida pela concorrência. A própria Fiat lançou a versão ELX do Mille, com acabamento aprimorado e mais equipamentos. A partir de então, os carros com proposta popular começaram a se descolar da imagem de despojamento. Não são raros, inclusive, os fabricantes que mantém duas linhas de compactos, uma das quais mais sofisticada.
Integrante da primeira leva de carros nacionais (começou a ser fabricada no Brasil em 1957), a Volkswagen Kombi é um modelo com características muito particulares. Tanto que, ao sair de linha 56 anos depois, em 2013, deixou uma lacuna no mercado. Afinal, outras vans do tipo multiuso sempre foram maiores e mais caras.
Por sua vez, a Kombi consegue acomodar nove ocupantes ou uma tonelada de carga. Isso apesar do comprimento relativamente compacto, de aproximadamente 4,5 metros. Junte-se a isso o preço de compra acessível e a manutenção simples: pronto, está explicado porque a produção durou tanto tempo.
É inegável que, nas últimas décadas, a idade do projeto trazia desvantagens nítidas à Kombi. A segurança pouco evoluiu, a ponto de a saída do mercado ter sido causada pela impossibilidade de adequá-la à nova legislação. O conforto a bordo também nunca foi um ponto alto.
O fato é que as qualidades parecem ter falado mais alto. A Kombi ocupou uma posição tão única no mercado que nunca enfrentou concorrentes com iguais características: nem a própria Volkswagen conseguiu substituí-la diretamente. Hoje, exemplares antigos são muito valorizados tanto no Brasil quanto no exterior.
Qual foi a primeira picape a ocupar a lacuna entre as compactas e as grandes? Quem respondeu Fiat Toro, errou, pois seis meses antes dela a Renault já havia colocado a Oroch no mercado. Em relação às similares menores, o modelo oferecia maior espaço interno e opção de motor 2.0. Isso, porém, com porte bem mais amigável às cidades que as caminhonetes maiores.
Do ponto de vista comercial, o pioneirismo da Oroch não representou sucesso. A Toro, apesar de ter chegado um pouco depois, obteve vendas bem superiores, graças a exclusividades como o motor a diesel. Também parecem ter pesado a falta de tradição da Renault no segmento de picapes e a derivação do Duster, enquanto a concorrente tem carroceria própria.
Vale destacar, entretanto, que em outros mercados, como o da Argentina e o da Colômbia, a Oroch vem obtendo bons resultados mercadológicos. A Renault, inclusive, encorajou-se a vender uma versão 4×4 da picape nesses países. Ironicamente, essa versão é fabricada no Brasil, mas só para exportação.
Fotos: Divulgação
Faltou de mencionar o Ford Corcel, que trazia inovações tecnológicas inéditas no Brasil, como circuito selado de refrigeração e coluna de direção bipartida.
Também é bom lembrar que embora o DKW já tivesse tração dianteira, a do Corcel era bem mais moderna.