‘Elon Musk brasileiro’ dá guinada de 180° para tentar enfrentar chineses 

Empresário capixaba anuncia a fabricação de um elétrico, muda para híbrido e acredita ter folego para peitar multinacionais

lecar prototipo carro eletrico hibrido
Lecar 459: agora, modelo será um carro híbrido (Foto: Lecar | Divulgação)
Por Boris Feldman
Publicado em 29/06/2024 às 09h03
Atualizado em 30/06/2024 às 14h10

Vários empresários brasileiros tentaram realizar o sonho de produzir um automóvel. Alguns deram certo: os que se mantiveram em nichos, como o Araripe da Troller, o Hellmeister (e sócios) da Puma, e até o João Gurgel, enquanto fabricava jipes (mas deu com os burros n’água quando decidiu enfrentar as “poderosas”).

Vários outros nem puseram para rodar sua linha de montagem, como Nelson Fernandes no começo da década de 60 com sua Industria Brasileira de Automóveis Presidente (IBAP). Produziu cinco protótipos do “Democrata” e fechou a fábrica. Entre outras tentativas frustradas, o compacto “Óbvio!”, em 2001 em Duque de Caxias (RJ), que também teve alguns protótipos mas não saiu do papel.

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Óbvio! foi projeto fracassado de carro nacional (Foto: Divulgação)

Mais fracassos que sucessos

Mais recentemente, o argentino Miguel Angel Bravo anunciou a “Bravo Motors” (em Nova Lima – MG) para produzir baterias e elétricos pesados. O início das obras da fábrica seria em 2021 e as operações em 2023, mas por enquanto o cronograma está bastante atrasado e os investidores que compareceriam com os anunciados R$ 25 bilhões para viabilizar o empreendimento ainda não apareceram.

Duas fábricas de automóveis aqui foram implantadas – com sucesso – por brasileiros, porém com tecnologia asiática: Eduardo Souza Ramos (Mitsubishi) e Carlos Alberto de Oliveira Andrade (Caoa) com a Chery.

Outro brasileiro, um capixaba visionário que também sonha em produzir seu automóvel é Flavio Figueiredo Assis que desenvolve (sem parceria internacional nem know-how do setor) o projeto do elétrico Lecar 459. Anunciado em 2023, a sede da empresa é em Barueri (SP) e a fábrica em Caxias do Sul (RS). O carro foi projetado por uma equipe de técnicos e engenheiros brasileiros. Ao contrário das outras multinacionais, Assis não teme a superioridade dos carros eletrificados chineses. E nem receio das “poderosas”.

Um capixaba otimista

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O empresário Flávio Assis, da Lecar (Foto: Lecar | Divulgação)

O otimismo com os prazos para iniciar as vendas do novo carro levantou suspeitas: o protótipo seria enviado em fevereiro de 2024 para homologação na Inglaterra num processo previsto para seis meses (não se sabe porquê, pois a legislação inglesa não tem nenhuma similaridade com a nossa). As primeiras unidades já estariam disponíveis no mercado em dezembro deste ano.

Fiz as contas: nenhuma fábrica de automóveis no mundo foi capaz de iniciar as vendas de um modelo dez meses depois do início dos ensaios de homologação, pois há extensos protocolos burocráticos e industriais para sua consecução. Mas talvez Assis imagina que consiga turbinar o processo com o tradicional “jeitinho brasileiro”.

A Lecar já anunciou até o preço do carro (R$ 279 mil) e também o alcance de 400 km por recarga. Assis previa a produção de 300 veículos por mês em 2025, mas não informou como sua rede de concessionárias, show-rooms, oficinas, central de peças e treinamento seriam estruturadas até o início das vendas no final de 2024.

Entretanto, como ele mesmo se anuncia como o “Elon Musk brasileiro”, talvez tenha imaginado eliminar revendas, como a Tesla. Esquecendo-se, talvez, de uma legislação (Lei Renato Ferrari) que não permite esta solução no Brasil.

A previsão de faturamento é também otimista:  R$ 1 bilhão no primeiro ano de operação. E, para viabilizar seus elétricos, a implantação de “uma rede de carregadores rápidos disponíveis a cada 150 km da rodovia BR 101”. A empresa de Assis opera inicialmente com capital próprio, mas vai recorrer a financiamentos internacionais e um IPO (lançamento de ações no mercado) para garantir a continuidade de suas operações. Desde que, naturalmente, encontre investidores que acreditem em seu projeto.

Desvio de rota

Nesta semana, Flavio Assis anunciou um significativo desvio de rota, desistindo do carro elétrico em favor do carro híbrido. Teoricamente, ele está correto, pois é mais adequado ao nosso mercado. Mas complica ainda mais sua operação, pois a fabricação de um híbrido é bem mais complexa e requer, além do elétrico, também um motor a combustão (não anunciado) e uma sofisticada tecnologia eletrônica para harmonizá-los. O carro ainda não existe, mas ele diz que vai rodar 30 km por litro de combustível.

Novamente demonstrando desconhecimento do setor, anuncia sua tecnologia como única no mundo: um motor a combustão gerando energia para movimentar o carro eletricamente. Exatamente a mesma de um carro apresentado por “um tal de” Ferdinand Porsche em 1901 e também utilizada pela BMW (i3) e Nissan Kicks (e-Power). Mas, enquanto a japonesa esbarra em dificuldades tecnológicas para lançar o sistema no Brasil, Assis parece ter descoberto um possível  “caminho das pedras”.

detalhe sistema e power da nissan
No sistema e-Power, da Nissan, o motor a combustão funciona apenas como um gerador para o elétrico

O “novo” Lecar 459 foi anunciado como “híbrido flex a etanol”. Outro disparate, pois, se é flex, queima gasolina também. Mas o pior é que a Fiat já tem um motor a etanol pronto há tempos, porém não o lança no mercado pelo receio do consumidor de depender dos produtores de álcool.

Uma sensível diferença entre o verdadeiro Elon Musk e o “nosso”, é que o da Tesla tinha capital suficiente para tocar sua fábrica e começou no milionário mercado dos EUA, enquanto o dono da Lecar depende de financiamentos e investidores para tocar seu projeto num mercado bem mais acanhado, como o nosso.

Será?

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3 Comentários
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Carlos 30 de junho de 2024

Olha, podemos dizer que Musk é o Gurgel de hoje em dia.
E como não sou viralata, o adjetivo que uso para esse cara é: EMBUSTEIRO!
Nada além.

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Santiago 30 de junho de 2024

No papel e no discurso, tudo é lindo e possível.
Projetos “revolucionarios e realizáveis a curto prazo, a serem bancados por anônimos investidores bilionários”, existem às pencas por aí…Dá até pra escrever enciclopédia de piadas com com eles.

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Douglas 29 de junho de 2024

Qualquer um que entenda um pouco de desenvolvimento de produto e produção em escala percebe que esse projeto tem grandes furos para cumprir o que anuncia. O próprio protótipo que a tem sido divulgado não tem nada funcional ou peça final… todos esses anúncios e projeções ou são extremamente otimistas ou sabe-se lá o quê. Mas sempre vai ter alguém para dizer que há um complô das multinacionais, que faltou ajuda do governo, etc.

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