O que os fotógrafos são capazes de fazer por uma foto de segredo

Classificamos esses destemidos profissionais de fotógrafos "segredeiros", aquele sujeito que não mede consequências ou riscos para fotografar uma novidade

fotografo escondido
Por Douglas Mendonça
Especial para o AutoPapo
Publicado em 22/04/2019 às 18h40

Nos meus 45 anos de vida jornalística na área automotiva, já vivenciei todo tipo de agrura. As histórias, algumas hilariantes e outras arriscadas, são, na maior parte das vezes, vividas pelos fotógrafos. Mais ainda daqueles que se arriscam na busca de uma imagem exclusiva de um novo carro que ainda não foi lançado.

No jargão jornalístico, classificamos esses destemidos profissionais de fotógrafos “segredeiros”, aquele sujeito que não mede consequências ou riscos para fotografar uma novidade da indústria automobilística que ainda nenhum profissional de imagem mostrou. Esses valorosos profissionais, algumas vezes, arriscam até mesmo a própria vida para isso.

Claro que a indústria automobilística não gosta nem um pouco desses destemidos profissionais que acabam expondo publicamente a imagem de um carro que vai ser lançado em um futuro próximo com uma grande expectativa do mercado.

O segredeiro fura tudo isso mostrando o carro antecipadamente. Agora, vocês podem imaginar o que um profissional da fotografia é capaz de fazer para obter um segredo?

Vou contar alguns causos que me lembro, que amigos fotógrafos me revelaram de como tinham conseguido imagens exclusivas de novos carros. Para isso, eles se fantasiavam de trabalhadores rurais, com grandes chapéus de palha e enxada no ombro, para não despertar suspeitas dos pilotos de testes das fábricas.

Também descobriam e entravam em convenções exclusivas das marcas, nas quais os novos carros eram mostrados a diretoria das indústrias, disfarçado de garçom ou de funcionários da limpeza. Tudo buscando se aproximar do tal segredo para, disfarçadamente, fazer a foto exclusiva.

Um dos grandes personagens dos fotógrafos segredeiros, é o profissional Sílvio Porto. O cara conseguia fotos sensacionais onde quer que o carro estivesse. Para a revista Motor Show, por exemplo, em meados dos anos 90, em Teresina, no Piauí, Sílvio Porto flagrou o Astra brasileiro que seria lançado em nosso mercado em 1998.

A GM aproveitava as altas temperaturas do verão nordestino para testar o sistema de arrefecimento do novo carro. A foto do Sílvio foi capa da Motor Show no início de 1998 e no final do segundo semestre desse mesmo ano, a GM apresentou o novo carro.

Claro, que para saber disso, Sílvio Porto mantinha informantes, os chamados “cupinchas” por todo o país e essa rede de pessoas telefonava para ele quando aparecia algum novo carro em teste. Sílvio imediatamente tomava um avião, seja lá para onde fosse, e, com o seu equipamento embaixo do braço, ia atrás de sua notícia. Esse era o verdadeiro jornalismo sem fronteiras.

Algumas vezes ele chegou a ser descoberto nos mais longínquos rincões e, quando isso acontecia, tinha que colocar o seu equipamento fotográfico na sacola e voltar para casa, pois os responsáveis pelos testes sabiam que seus segredos corriam riscos de serem expostos e, por isso, escondiam seus carros.

Tombo de árvore

Certa feita, caçava um novo carro da GM na região de Indaiatuba, no interior de São Paulo. Na bem guardada fazenda de Cruz Alta, onde a GM possui suas estruturadas pistas de testes, nosso destemido fotografo, entrava por uma fazenda vizinha, atravessava um grande pasto de gado onde, segundo ele, alguns touros o obrigava a uns carreirões. Posicionado onde conseguia ver a pista de teste da GM, subia em árvores e com lentes de longo alcance, esperava o segredo passar para fotografar.

Essas caçadas, demoravam dias e, algumas vezes, até semanas, quando se conseguia clicar a imagem do novo veículo. Caçando esse novo carro da GM, que demorou semanas para ser clicado, Sílvio Porto subiu na árvore que estava acostumado e, de antemão já sabia que deveria ficar lá por horas, até que o motivo de sua penúria passasse pela lente de sua máquina fotográfica.

Numa dessas, ele ficou por tantas horas esperando o tal carro, que adormeceu em cima da árvore. O resultado? Não poderia deixar de ser um enorme tombo que custou-lhe vários hematomas por todo o corpo e o nariz quebrado. Neste dia, ele confidenciou, que voltou para casa e nem aos touros que ameaçavam dar-lhe os costumeiros carreirões, ele deu importância. Voltou para casa frustrado, pois não havia feito a foto desejada e, além de tudo, mancava e sentia dores pelo corpo.

Certamente se alguém da GM tivesse flagrado a cena, essa seria a grande vingança de todas as vezes que o Sílvio adiantou para o público imagens dos seus novos produtos. Foi dolorido, mas que a cena deve ter sido engraçada, não tenho dúvidas.

Máquina ou metralhadora?

Outro causo igualmente hilário vivido pelo nosso destemido fotógrafo ocorreu na primeira metade dos anos 90, quando a Volkswagen fazia os primeiros testes de campo com a segunda geração do Gol, o conhecido Gol bolinha. Sílvio recebeu a informação de que vários desses carros rodavam disfarçados entre Pirapora, no norte de Minas, e as imediações de Jequié, no sul da Bahia.

Sílvio sabia, mais ou menos a hora que o comboio de testes da Volkswagen atravessava a cidade de Pirapora. Aprontou sua maior lente e deixou a máquina pronta para o clique.

Colocou tudo em uma sacola de tecido e ficou de tocaia em uma mesa de um bar na qual tinha a visão da avenida de entrada da cidade e de todo o percurso que o comboio deveria fazer.

Passou a tarde conversando com os frequentadores do local, não despertando suspeitas de qual seria sua verdadeira intenção. Repentinamente, surge o comboio na entrada da cidade de Pirapora e Sílvio, com uma rapidez peculiar, colocou as mãos dentro sacola do qual puxou a máquina e a enorme lente que usaria para buscar o carro a grande distância.

Esse movimento brusco, em um barzinho calmo no norte de Minas, significou a aquelas pessoas que algo fora do comum iria acontecer. Quando viram a máquina e a enorme lente que Sílvio puxou com violência de dentro da sacola, as pessoas ao redor juraram que aquilo era uma metralhadora e que ele iria fazer uma chacina naquele local. Foi o caos, um furdúncio que a cidade não estava acostumada a ver.

Correu gente para todos os lados, derrubando mesas, cadeiras e alguns se jogando no chão para se defender dos tiros que, segundo imaginaram, se iniciariam em seguida.

No meio de toda essa bagunça, Sílvio apontou sua poderosa lente para o comboio que passava e clicou o novo Gol mais de um ano antes do seu lançamento. Na época, essa foto foi capa da Revista Quatro Rodas. O segredo do novo Gol havia sido desvendado por Sílvio Porto.

E o pessoal do bar? O dono do estabelecimento falou depois ao fotógrafo: “Pensamos que os tiros começariam, sorte sua que eu não estava armado, senão certamente iria atirar em você ao invés de me esconder atrás do balcão!”

Deu para entender, como é duro a vida de um fotografo segredeiro?

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1 Comentário
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Jorge Ribeiro 23 de abril de 2019

É realmente, essa vida de fotógrafo não é nada fácil, parabéns Douglas, por nos contar esses causos, além de ser muito tenso foi muito engraçado.

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