Qual foi a maracutaia que liberou os SUVs a diesel?

O Brasil é o único país no mundo que proíbe o diesel nos automóveis. Mas, por uma escorregada do Contran, é permitido nos utilitário-esportivos

mercedes benz ml 320 cdi
Mercedes abriu a porteira dos SUVs de luxo com motor diesel (Foto: Mercedes-Benz | Divulgação)
Por Boris Feldman
Publicado em 10/04/2022 às 15h04

Tudo começou com a Lei 346 de 1976 do Ministério da Indústria e Comércio, em meio a uma complicada crise do petróleo que afetou seu preço em todo o mundo. Ela continua válida, substituída pela portaria DNC (Departamento Nacional de Combustiveis) nº 23 de 1994.

Naquela época, sua importação prejudicava nossa balança comercial e o governo decidiu então restringir o diesel aos veículos pesados (ônibus e caminhões), jipes, picapes com caçamba para mais de 1.000 kg, vans para mais de 11 pessoas e máquinas agrícolas.

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Como se define um jipe? Segundo a legislação brasileira, jipes são veículos “com tração nas quatro rodas, caixa de mudança múltipla e redutor”. Não deixa margem a dúvidas de que, para ser jipe, tem que ter “redutor”, um dispositivo mecânico acionado pelo motorista acoplado à caixa ou diferencial e que reduz (encurta) a relação de todas as marchas do câmbio. SUV é jipe? Não, quase nenhum se enquadra na legislação. Só os que contam com a “reduzida”.

Mas, a Mercedes-Benz “convenceu” o governo federal (Contran), de que seu primeiro SUV, o ML 320 CDI lançado em 1997, tinha um sistema eletrônico capaz de substituir o redutor mecânico. Os técnicos do Contran aceitaram a “argumentação” da empresa alemã e o ML 320 foi então certificado como jipe e apto ao uso do diesel.

‘Redução eletrônica?’

Nenhum manual de mecânica ou engenharia no mundo menciona uma “redução eletrônica”. A rigor, recursos eletrônicos podem, na prática, substituir o dispositivo mecânico e tornar veículos com tração 4×4 capazes de superar trechos de barro e lama.  Mas, para ser considerado um “redutor”, só pode ser mecânico, ou seja, não o substitui perante a lei.

Outra “pressão” para equipar com motor diesel um veículo que não se enquadrava na legislação foi da Agrale pra o jipe Marruá. Um argumento ainda mais complicado e inaceitável: ela argumentava que sua caixa de câmbio oferecia a primeira marcha super-reduzida, chamada “primeira trator” e capaz de substituir a reduzida. Também muito bem sucedida junto ao Contran e tome motor diesel no Marruá.

Recentemente, a Ford nos EUA usou do mesmo recurso (não para enganar o governo, mas como um dispositivo mecânico de fato) no recém-lançado utilitário esportivo Bronco, que também oferece a “primeira trator” ao invés da reduzida.

Enxurrada de SUVs sem reduzida

A Mercedes abriu a porteira do diesel para as outras marcas. Depois que a ML 320 CDI foi certificada para usar diesel, foi uma verdadeira enxurrada de utilitários esportivos sem a reduzida porém certificados como jipe. Alguns sequer oferecem dispositivos eletrônicos para superar o off-road, mas alegam oferecer a tal primeira super-reduzida seguindo o caminho aberto pelo Agrale Marruá.

O fato lamentável é que a “escorregada” do Contran foi de encontro à própria idéia que levou o governo a proibir o diesel nos automóveis: como paga menos impostos que a gasolina, a intenção era evitar que o baixo custo do diesel favorecesse os donos de carros de passeio. No frigir dos ovos, o próprio governo – por seu órgão de trânsito – atirou no pé ao aliviar exatamente o bolso dos mais ricos com “bala” para usufruir dos caríssimos SUVs com combustível barato.

Uma perfeita maracutaia, obtida sabe-se lá como, para permitir ilegalmente o motor diesel.

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13 Comentários
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Joelson 19 de abril de 2022

É por essas e outras que eu tenho vergonha de ser brasileiro

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Joelson 19 de abril de 2022

Quanto mais o tempo passa mais eu tenho vergonha de ser brasileiro

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yuri 18 de abril de 2022

Não é mais abominavel do que o etanol 30% obrigatório que f*de, ou melhor, funde os motores alheios.

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Wesley 19 de abril de 2022

O que “funde” os motores é justamente a gasolina pura que alguns andam fazendo por ai, sem estudo algum e naturalmente sem saber que o etanol contido na gasolina é para aumentar sua octanagem e evitar a pré-detonação, essa sim destrói tudo. Mas é claro, o ideal é que houvesse a opção de abastecer 2 tipos de gasolina, uma com 20% e outra com os atuais 27%, por exemplo.

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Lazaro Macedo 16 de abril de 2022

Maracutaias fazem parte da cultura brasileira!!!
Infelizmente está presente em todas as áreas, Indústria, Comércio, Saúde, Lazer, Judicial, Segurança etc…e principalmente Política!!!!

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André Pira 15 de abril de 2022

Lei antiga que deveria ser modificada pra que todos os veículos pudessem usar motores a diesel.

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Luis Gomes 15 de abril de 2022

Boris, vc sabe bem que nossa indústria automotiva é financiada pelo governo que tb ganha com tudo isso. Essa historia de baratear para uns é belala. O proprio fato da proibição do Diesel para carros e uma enorme bobagem.

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jose augusto santana 15 de abril de 2022

“Escorregada” muito conveniente para todos os envolvidos.

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NORBERTO MARCHER MÜHLE 15 de abril de 2022

Já não era hora de se acabar com essa restrição anacrônica?

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HAF 14 de abril de 2022

Não sou dono de suv diesel…. mas um detalhe que nem o Boris nem ninguém percebeu… O governo NÃO perde nada com isso, ao contrário! Quem compra um suv diesel, está pagando um IPI muuuuiito maior do que a mesam versão flex… na prática? Esse IPI majorado já ”quitou” o subsídio do diesel nas bomba por toda a vida que o Suv for abastecido… com esta diferença para menos daria para rodar por anos na mesma versão flex… Governo perde nada, sabe jogar muito bem. Compra Suv diesel quem pode, por ter +tração e mais força em baixa, melhor preço de revenda…

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Edson Lima 15 de abril de 2022

Vc está certíssimo.

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Gilberto 15 de abril de 2022

Governo nunca entrou para perder. Nem tampouco as elites. Ou seja, conveniente para ambas as partes. Impostos e Leis ficam para a massa!

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Andre L. 11 de abril de 2022

Pois é. Acaba que, sendo veículos a diesel bem mais caros, só quem tem maior poder aquisitivo é que consegue comprar um veículo urbano a diesel. Nada contra quem pode, mas se a ideia é deixar o diesel, combustível “mais barato” e que “rende mais” para veículos pesados, que se cumpra isso.

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