Vice Alckmin defende causa indefensável: aumentar teor do biodiesel 

Quando se tentou passar de 10% para 12%: “A Anfavea não recomenda o aumento do teor de biodiesel no óleo diesel comercial”

tampa de tanque de biodiesel
Teor de biodiesel acima de 10% é altamente prejudicial (Fotos: Shutterstock)
Por Boris Feldman
Publicado em 04/03/2023 às 09h03

Os produtores de biodiesel voltaram à carga e tentam convencer o governo a aumentar seu percentual de mistura ao diesel. Hoje é de 10% (B10), mas querem elevá-lo para 15% (B15). O vice-presidente Geraldo Alckmin se manifestou favorável à idéia, provavelmente por desconhecer os meandros – e o complicado histórico – dessa questão. Que representa risco até para pacientes em hospitais.

Como assim?

Quando se mistura o biodiesel ao diesel em percentuais superiores a 10%, está comprovado tecnicamente que o resultado é problemático. Pois ele é higroscópico, ou seja, absorve umidade que vira água, que provoca borra nos tanques e entupimento de filtros, bombas de combustível e injetoras. Principalmente em regiões com alto índice de umidade.

VEJA TAMBÉM:

Todos os hospitais contam com geradores movidos a diesel no caso de faltar energia elétrica. São exatamente estes motores, parados por períodos mais longos, os mais sujeitos a formar a temida borra do biodiesel no fundo do tanque. Na hora da emergência, ou eles se recusam a funcionar, ou rodam por alguns minutos e param pelo entupimento no sistema de injeção. Sugestão – quase inacreditável – dos responsáveis pelo biodiesel é de “descartá-lo de tempos em tempos”.

Então, teoricamente trata-se de uma excelente solução para o meio ambiente, por não ser um combustível fóssil, mas produzido a partir de grãos, porém ainda faltam acertos técnicos para que o biodiesel seja misturado ao diesel em proporções superiores a 10%.

gerador diesel
Geradores a diesel em hospitais: mal-funcionamento coloca vidas em risco

Diesel B11: primeiras queixas

O programa de implantação do biodiesel previa aumentos graduais da mistura, de 5% até 15%. As primeiras queixas surgiram quando se atingiu 11% (B11) em 2019 e B12 em 2020. Seus produtores são enfáticos em negar problemas e tentam provar que o percentual poderia até superar 15%. Têm um poderoso lobby, o argumento do combustível “limpo” que sensibiliza e estão integrados à mais forte bancada no congresso, a do setor agropecuário.

Mas a verdade é outra, pois são dezenas as queixas de donos de picapes e SUVs a diesel enguiçados na estrada  rebocadas para  oficinas independentes ou de concessionárias. O laudo foi sempre o mesmo: “combustível adulterado”, insinuando culpa do posto ou da distribuidora.

Até bombas de posto

A Fecombustíveis (associação de distribuidoras e postos), consultada, não somente nega, mas acusa: além dos motores diesel entupidos nos veículos, centenas de bombas dos postos emperraram quando o percentual do biodiesel vai além dos 10%. Além do problema técnico, tem o político: o combustível “limpo” acrescentado ao fóssil custa cerca do dobro, encarecendo o preço do diesel na bomba. Ou seja, direto no bolso dos caminhoneiros.

O percentual que já tinha chegado a 13% foi então reduzido em 2021 para 12% em setembro e 10% em novembro.

Os produtores de biodiesel defendem sua qualidade e alegam que a Anfavea testou e aprovou o aumento de B10 para B15. Não é verdade: a associação dos fabricantes de veículos fez os testes, nega ser adequado e seu relatório final diz textualmente: “A Anfavea não recomenda o aumento do teor de biodiesel no óleo diesel comercial”. Justifica seu parecer com o aumento da nocividade (emissões de NOx), irregularidades no funcionamento do motor e desgaste de seus componentes. Além disso, comprovou-se também a rápida degradação do combustível.

Solução? Existe outro biocombustível também obtido de grãos, com molécula idêntica à do diesel e que, por isso, pode ser usado em qualquer proporção nos motores, até puro, o HVO: óleo vegetal hidrotratado. Também chamado “Diesel Verde”, tem custo mais elevado pelo tratamento com hidrogênio.

Vantagens, desvantagens e alternativa: HVO

O resumo da ópera é que o biodiesel tem vantagens, é limpo, contribui para a descarbonização e para o desenvolvimento do setor agropecuário. Entretanto, custa o dobro do diesel fóssil e provoca problemas no funcionamento dos motores quando o teor de mistura cresce além de 10%. Como tem um poderoso lobby, até o vice-presidente da república foi convencido e aderiu à esta mais que discutível idéia.

Solução? Nada hipotético, mas já existe na prática: o HVO (óleo vegetal hidrotratado), também produzido (em vários países) a partir de grãos e resíduos (óleo de cozinha) e que pode ser utilizado até 100% nos motores. A Petrobrás já iniciou sua produção experimental.

Newsletter
Receba semanalmente notícias, dicas e conteúdos exclusivos que foram destaque no AutoPapo.

👍  Curtiu? Apoie nosso trabalho seguindo nossas redes sociais e tenha acesso a conteúdos exclusivos. Não esqueça de comentar e compartilhar.

TikTok TikTok YouTube YouTube Facebook Facebook X X Instagram Instagram

Ah, e se você é fã dos áudios do Boris, procure o AutoPapo nas principais plataformas de podcasts:

Spotify Spotify Google PodCast Google PodCasts Deezer Deezer Apple PodCast Apple PodCasts Amazon Music Amazon Music
SOBRE
22 Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Comentários com palavrões e ofensas não serão publicados. Se identificar algo que viole os termos de uso, denuncie.
Avatar
Santiago 6 de março de 2023

A opção do HVO me lembrou o motor Elko, apresentado lá nos anos 80. Aceitava vários tipos de óleo, especialmente os vegetais, e até óleo de cozinha usado. Ainda que estivesse na fase experimental, a tecnologia era revolucionária e viável.
Porém aqueles eram os anos 80 e, por dispensar petróleo, o Elko “caiu” (por assim dizer) no esquecimento.

Avatar
Rodolfo 6 de março de 2023

Papel aceita tudo! A prática vai mostra o que é realidade e o que é utopia.

Avatar
EDGARDO OLIVARES GOMEZ 6 de março de 2023

Bom dia. Pessoal, du acredito nas discussões técnicas e com embasamento científico. Quando se mistura ciência e política o resultado é desastroso. Uma decisão técnica tem de passar pela criva técnica. Imagino que, neste assunto do aumento do teor de biodiesel no diesel, seja feito desse modo. Ninguém, seja quem for seu cargo político, gostaria ter seu nome envolvido num “desastre” técnico de tal natureza, que, sem dúvidas, terá de ser de domínio público, lembrando que aqui, pelo tamanho e importância do assunto provavelmente serão dezenas de técnicos, muitos bem conhecidos no cenário acadêmico e industrial. M. Obrigado

Avatar
Geraldo 6 de março de 2023

O atual biodiesel nunca deveria ter sido utiluzado…é a mesma história de carro elétrico.

Avatar
João Batista 5 de março de 2023

Só tem esperto nesse jogo, lucrar e ferrar com o consumidor.

Avatar
GILLES LAURENT 5 de março de 2023

Existem muitas formas de evitar problemas com B15, passa por boas práticas, tratamento químico, etc. O maior problema é a falta de padrões em cuidar do Diesel e Biodiesel. Ja tinhamos problemas antes mesmo do Biodiesel. Adaptações são necessárias. A pergunta que fica, todo usuário de Diesel/Biodiesel esta disposto a implementa-las? A matéria do Jornalista Boris Feldmann é tendenciosa, pois em momento algum ele cita benefícios como da melhora de lubricidade do Biodiesel, quem sem ele seria necessário aditivos melhoradores de lubricidade. Toda mudança, principalmente quando benéfica para o meio ambiente, passa por adaptações e os biocombustíveis são necessários. Fico aberto ai Jornalista para explicar a ele como passar para 15% ou 20% de biodiesel, sem qualquer problema aos motores, filtros, injeção etc. Juntos podemos levar mais conhecimento ao mercado, sem ser tendencioso.

Avatar
Rodolfo 6 de março de 2023

Você fala de boas práticas… o povo mal calibra pneu, muito menos checa nível de óleo de motor e fluido de radiador…

Avatar
GILLES LAURENT 6 de março de 2023

Verdade. Mas mesmo assim devemos insistir com as boas práticas. Exemplo disso foi durante à pandemia em que as boas práticas minimizaram o contágio.

AutoPapo
AutoPapo 6 de março de 2023

A solução para o problema já está definida (inclusive no texto): é o HVO. Trata-se de um óleo de origem também vegetal, que tem a mesma molécula do diesel “fóssil” e que pode ser usado até 100% no motor.

Avatar
GILLES LAURENT 6 de março de 2023

A degradação do diesel e/ou biodiesel tem como elemento o oxigênio, a condensação da água nos tanques é um fenômeno natural. Esse processo continuará a ocorrer com HVO ou qualquer outro combustível. Tendo água teremos microrganismo, oxidação e corrosão. Pergunto ao AutoPapo o HVO evita a condensação de agua nos tanques? Obviamente não. Quando o Brasil terá uma planta produtiva de HVO? Porque a Europa não usa HVO? Simples custo de fábrica, custo final do produto. Precisamos pensar em toda a cadeia produtiva. HVO é um ótimo produto. Mas ele também sofrerá agressões como calor, luz e a formação de água.

Avatar
Rodolfo 8 de março de 2023

GILLES LAURENT – 6 de março de 2023:
“Verdade. Mas mesmo assim devemos insistir com as boas práticas. Exemplo disso foi durante à pandemia em que as boas práticas minimizaram o contágio”.
Gilles,
Mas não se esqueça que quando acaba a obrigatoriedade do uso das máscaras a maioria para de usar.

Avatar
Jorge Nicolau 5 de março de 2023

A questão é simples de ser resolvida. Os motores estacionários dos geradores devem ser usados mesmo sem a ocorrência de uma falta de luz. Basta ligar no horário de pico do consumo durante uma hora diariamente. Como no horário de pico o valor do KWH é mais caro, o uso do gerador próprio vai praticamente empatar com o valor a reduzir do consumo da rede. Ademais existem no mercado vários aditivos para evitar a formação da goma do biodiesel.

Avatar
GILLES LAURENT 5 de março de 2023

Alem de que existem tratamentos químicos específicos que aumentam a vida útil do Diesel, evitando a degradação do mesmo, e consequentemente evitando problemas de funcionamento. Poucos ml tratam o diesel/biodiesel por até 6 meses, um custo irrisório para o pleno funcionamento do motor e segurança.

Avatar
Ciroc 4 de março de 2023

Engenheiro com 50 anos de rodagem e não sabe como que faz um plano manutenção preventiva pata um gerador de hospital? A solução é simples, mas custa caro. Restringir a especificação do b100 para termos um produto de melhor qualidade, e isso tem um preço.
A ANP precisa ser mais efetiva na fiscalização das usinas de b100, assegurando que o produto saia especificado de lá. É ignorância falar em quebra de motor e que o vice presidente é a favor.
Vá chorar na cama que é lugar quentinho se seu candidato perdeu a eleição. Os problemas estão aí e quem está no governo tem obrigação de propor as soluções.

Avatar
Wagner de Souza Ramos 4 de março de 2023

A solução é bastante simples.

O problema está no desgaste e quebra as bombas de alta e motores das máquinas e caminhonetes, carros e afins que geram limalha de ferro devido a qualidade ruim do Diesel; sendo que há necessidade de a cada abastecimento sempre acrescentar aditivo para que a qualidade seja aumentada do combustível produzido na Petrobrás.

Qual a solução?

A solução é que a produção do (DIESEL brasileiro) não desgaste os motores das máquinas e carros; que utilizem o diesel produzido pela Petrobrás seja que a produção seja qualificada para máquinas e veículos brasileiros e que todos os importados a DIESEL seguissem o padrão brasileiro do combustível produzidos no Brasil.

Simples assim.

Avatar
Thiago Garcia 4 de março de 2023

Na época do álcool na gasolina foi assim também. Os fabricantes de veículos a gasolina falaram que proporção acima de 20% é prejudicial e estamos com 27.

Avatar
Daniel F Oliveira 5 de março de 2023

Nós carros flex isso não é um problema, agora peque um carro importado que não foi projetado pra essa quantidade absurda de álcool e ou um veículo antigo mesmo. Esses sofrem com esse teor absurdo de álcool na mistura

Avatar
Ricardo 9 de março de 2023

Exato. E o aumento do percentual de álcool na gasolina foi feito da mesma forma como o biodiesel no diesel: Via lobby dos produtores do combustível vegetal.
Como a grande maioria da frota de carros atuais é flex, realmente não faz problemas para o motor, obviamente.
Mas os carros que foram projetados para rodar com gasolina pura, com certeza tem diversos componentes com a durabilidade comprometida.
Tem outro fator agravante: Diminuição da autonomia dos veículos, já que o álcool tem um poder calorífico menor que a gasolina

Avatar
yuri 13 de março de 2023

Não foi assim. Porque já se passaram muitos anos e até hoje não se recomenda nem na proporção atual. As fábricas e fabricantes já se manifestaram devido ao entupimento dos injetores. Isso é apenas Lobby Estado-Oligarquias.

Avatar
Santiago 4 de março de 2023

Agora temos de lidar com os loobys “limpos”.
Primeiro o lobby dos automóveis elétricos a bateria. E agora o lobby do biodiesel
Discursos “limpos”, com intenções finais não tão limpas assim.

Avatar
Daniel F Oliveira 5 de março de 2023

Onde eu assino?

Avatar
Jo 4 de março de 2023

Simplesmente lobby de produtores de biodiesel. Pretendem faturar mais a custas de todos.

Avatar
Deixe um comentário