Como ex-chefão da Renault explicou o escândalo de seus motores?

Engenheiro explicou como a diretoria de Carlos Ghosn exigiu que sua equipe copiasse a fraude da Volkswagen, o Dieselgate

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Carlos Ghosn, então todo-poderoso da Aliança Renault-Nissan (Foto: Divulgação)
Por Boris Feldman
Publicado em 05/06/2021 às 07h30

Quando veio à tona, em 2015, o escândalo de fraude nas emissões dos motores diesel da VW nos EUA, outras marcas europeias vieram na esteira e foram igualmente flagradas, entre elas Audi, Renault, Opel, BMW e Mercedes.

Sempre existiu fraude no controle de emissões. De forma sofisticada ou grotesca. Até no Brasil: a Fiat, em 1995, foi multada pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo ) pelas emissões do Uno Mille Electronic que superavam os limites legais, apesar de aprovado nos testes homologatórios.

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Como a fábrica de Betim burlou os resultados? Da forma mais rudimentar: conectou um interruptor no sistema de abertura do capô, pois os testes eram realizados com ele aberto. Então, ao ser levantado, uma chave imediatamente modificava a regulagem do motor para reduzir o volume de emissões.

Os engenheiros da VW na Alemanha seguiram por outro caminho, bem mais sofisticado: aproveitaram que o procedimento de medição simulada das emissões de gases do motor era padronizado.

Em todas as avaliações, o motor funcionava (com o carro parado, no dinamômetro de um laboratório) como se estivesse num roteiro previamente determinado a ser cumprido: uma arrancada e mais tantos segundos de primeira marcha, depois mais tantos de segunda. Uma parada de alguns segundos simulando um sinal vermelho e assim por diante.

A fraude da VW: um programa (software) instalado na central eletrônica analisava esta sequência de funcionamento. Quando percebia que o carro estava sendo submetido a testes, alterava os parâmetros de ajuste do motor.

Toda essa artimanha para escapar da inevitável redução de desempenho do automóvel desde que estivesse corretamente enquadrado nos limites de emissões de gases.

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A fraude francesa

Dois anos depois, em 2017, estoura o mesmo escândalo na França, envolvendo os motores diesel da Renault.

Iniciou-se então um processo do Ministério Público local e, no mês passado, Carlos Ghosn, ex-chefão geral da Renault, foi convocado a depor para a Justiça Francesa em dois processos. O primeiro referente à fraude nas emissões. O segundo relativo a burlas fiscais.

Como Ghosn está confinado no Líbano (depois de sua cinematográfica fuga da prisão no Japão), emissários franceses foram ouvi-lo em Beirute.  O depoimento de Ghosn (fraude nas emissões) é uma incógnita, pois não foi aberto ao público.

Mas eu sei o que aconteceu. Por um inteiro acaso, conversei há três anos (2018) com um engenheiro que trabalhou na Renault e integrava o time de desenvolvimento de motores diesel na França.

Ele me contou que a equipe foi chamada para uma reunião de diretoria entre 2013 e 2014 e um super-executivo comparou os resultados dos testes de emissões dos motores diesel da VW com os da Renault.

Os números não davam margem a dúvida: os germânicos obtiveram níveis de emissões de gases poluentes muitas vezes inferiores aos dos franceses. E pediu explicações. Questionou a competência da equipe, se faltava talento ou trabalho. E manifestou sua preocupação. Afinal, a concorrência entre marcas europeias era (sempre foi…) acirradíssima.

Os engenheiros retrucaram alegando que um nível de emissões tão reduzido só seria possível com uma drástica redução do consumo. Mas que, para tanto, só prejudicando sensivelmente o desempenho do automóvel. O “diretorzão” perguntou se eles estavam de brincadeira e deu um prazo para que encontrassem uma solução.

O desafio…

Alguns dias depois, a equipe da engenharia se reuniu novamente com os diretores. E relataram que pesquisaram os resultados, discutiram com colegas de outras fábricas e da própria Volkswagen.

Concluíram não haver a menor dúvida – e provaram por a+b – ser impossível, em termos tecnológicos, um motor diesel oferecer desempenho tão elevado com nível tão reduzido de emissões.

E afirmaram só haver uma explicação: fraude nos testes.

O ex-engenheiro da Renault me disse ter estranhado a reação dos diretores, pois não se assustaram com a revelação: passaram a impressão de que já sabiam da fraude da Volkswagen.

E simplesmente falaram qualquer coisa como: “Não nos interessa como a VW obteve este resultado Queremos nossos motores diesel com emissões idênticas ou muito próximas, sem perder desempenho”.

Nas entrelinhas, os engenheiros perceberam que, ou perdiam o emprego, ou praticavam a mesma “mágica” que a Volkswagen….

Assim o fizeram. E o resultado final não demorou muito: chegou em 2017.

  • Também falo do problema do biodiesel no Brasil. Confira o vídeo:
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4 Comentários
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Polvo 8 de junho de 2021

Esse episódio dos engenheiros dizendo ser impossível fazer um motor que ande muito, gaste pouco e polua menos ainda, me lembrou da época da inspeção veicular em SP. Quem tinha carro antigo carburado sofria para passar na inspeção, mesmo com o motor em boas condições e regulado, não conseguia passar na verificação de emissões de CO. Para conseguir ser aprovado, quase sempre, precisava mexer no ponto de ignição (atrasar) e empobrecer a mistura no carburador. O carro era aprovado, porém ficava péssimo para andar então, após a inspeção, voltava ao mecânico para regular da forma correta.
A diferença daquela época, para os dias atuais, é que hoje a eletrônica e a conectividade facilitam essa malandragem.

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Sir.Alves 6 de junho de 2021

Se fosse por aqui no bananal seria o jeitinho brasileiro,… Kkkkkkkkkkk #SQN

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Marcelo 6 de junho de 2021

Cadê os defensores da “engenharia alemã”? “Aaaaain, carro é alemão!”, “Tecnologia europeia”, blah blah blah

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Alpha & Omega 5 de junho de 2021

Fraude em cima de fraude.
Esse é o nosso mundinho doido.

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